7 de jun. de 2009

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Réquiem


Está a um degrau de dar o primeiro passo para sempre.

O degrau em que pisa o lembra o seguinte. A sensação de nostalgia o faz memorar que já fez o que não fez; e, por causa do resíduo que não restou impregnado ao olfato, devaneia sobre as atitudes repetidas de outrora. E assim expande e encolhe os andares mnemônicos, pensando sobre si sendo ele próprio um pensamento.

Degrau imóvel o leva para cima com o mesmo movimento que o leva para baixo.

A vida era, quando criança. Obediente, seguia a voz da mãe no parque, para fugir do chicote do pai. Corria fazendo travessuras de gente pequena, gente que ainda não conheceu a cautela de homem grande. Não existia medo da vida, nem mesmo houvera percebido que vivia. Os momentos eram simples mas não simplórios. Crianças... Qualquer borboleta as diverte, batendo suas asas coloridas. Depois corria agitando seus bracinhos, dando upas! de alegria eufórica e afastando a borboleta que já descansava pousada em um galho seco.

Saboreia a visão calcada, primevo instante letárgico de uma série reticente.

A adolescência fora melindrosa e preenchida por dissonante alarde. Ocupava-se, noturnamente, quando todos iam dormir, em nada alcançar. Descobriu que jamais concluiria sua busca inexistencial, e que não havia pausa em seu cérebro, e que nada nunca atingiria. Fato. Desistiu do intento. E sonhou uma noite com um enorme pé que se agigantava sobre si, efetuando uma elevada e pesada passada.

Tudo está escrito no fogo. Vitupério do amanhã. Nunca chega o verdadeiro dia que a ciência não desvenda nem duvida.

A misericórdia por não ter lembrança de todas as coisas que lhe aconteceram até hoje o tem transformado em ser etéreo e insaciável. Alguns degraus da escada — constituída por apenas um degrau — são pulados em um passo mais amplo, outros, por tropeço de seu descaso (ou de seu caso com o ego), têm suas quinas feridas e traspassadas. Ora, não seria possível ferir o apoio físico sem oferecer perigo ao equilíbrio no qual se está tensionado. Em qual patamar ficou a sabedoria? Descer a escada não se pode: os degraus não hão mais. Sabe que, caso queira voltar, penetrará na escuridão do esquecimento onde o conhecimento ainda não ousou cosmogônico mergulho.

E fica para sempre a um passo do último degrau.

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Um comentário:

Graça Pires disse...

A escada da vida. O último degrau pode ser o fim ou o início de tudo.
Gostei muito do texto.
Um abraço.