acendo um cigarro
..
Este lugar desumano cria monstros humanos. Stephen King
Assistindo a Colação de Grau das minhas queridas calouras Sarah, Marília e cia., a professora Penha Lins leu este texto em seu discurso:
Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens.
Tomando a palavra, disse-lhes:
A Fada do Fado
Éramos uma vez duas crianças, um menino e uma menina, muito amigos e sonhavam um futuro unidas e íntimos. Passávamos as tardes dando nomes às nuvens, deitados de costas na grama verde-fresca sem sentir o rodar do ponteiro.
Na escola, o lanche dividíamos um com a outra; eu bebia do seu leite e ela tomava no meu cantinho. Há muita longa data atrás, nos transformamos em adolescentes gostosa e simpático. Ela namorou o João, eu a Maria. Só que os garotas não sabiam jogar salada mista como nosco, porque na nossa o leite já havia condensado. Por isso trapaceamos: brincando de Macunaíma entre sós, e de Bovary entre todos.
Quando nos casaram, respeitei-a na pobreza e, na riqueza, a amei na saúde com doença. Agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim:
Hoje, morremos felizes para sempre...
Esta é a introdução da pentalogia de Douglas Adams.
Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.
Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande idéia.
Este planeta tem ― ou melhor, tinha ― o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.
E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.
Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.
E, então, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma.
Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota, e a idéia perdeu-se para todo o sempre.
Esta não é a história dessa garota.
É a história daquela catástrofe terrível e idiota, e de algumas de suas conseqüências.
É também a história de um livro, chamado O Guia do Mochileiro das Galáxias ― um livro que não é da Terra, jamais foi publicado na Terra e, até o dia em que ocorreu a terrível catástrofe, nenhum terráqueo jamais o tinha visto ou sequer ouvido falar dele.
Apesar disso, é um livro realmente extraordinário.
Na verdade, foi provavelmente o mais extraordinário dos livros publicados pelas grandes editoras de Ursa Menor ― editoras das quais nenhum terráqueo jamais ouvira falar, também.
O livro é não apenas uma obra extraordinária como também um tremendo best-seller ― mais popular que a Enciclopédia Celestial do Lar, mais vendido que Mais Cinqüenta e Três Coisas para se Fazer em Gravidade Zero, e mais polêmico que a colossal trilogia filosófica de Oolonn Colluphid, Onde Deus Errou, Mais Alguns Grandes Erros de Deus e Quem É Esse Tal de Deus Afinal?
Em muitas das civilizações mais tranqüilonas da Borda Oriental da Galáxia, O Guia do Mochileiro das Galáxias já substituiu a grande Enciclopédia Galáctica como repositório-padrão de todo conhecimento e sabedoria, pois ainda que contenha muitas omissões e textos apócrifos, ou pelo menos terrivelmente incorretos, ele é superior à obra mais antiga e mais prosaica em dois aspectos importantes.
Em primeiro lugar, é ligeiramente mais barato; em segundo lugar, traz impressa na capa, em letras garrafais e amigáveis, a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO.
Mas a história daquela quinta-feira terrível e idiota, a história de suas extraordinárias conseqüências, a história das interligações inextricáveis entre estas conseqüências e este livro extraordinário ― tudo isso teve um começo muito simples.
Começou com uma casa.
.
.
Para não passar em branco o Dia da Poesia, trecho de A Terra Desolada, de Eliot:
Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias do Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Bin gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o
canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
Há uma canção do amor deles que diz monotonamente o lamento que faço meu: por que te amo se não respondes? Envio mensagem em vão; quando te cumprimento tu ocultas a face; por que te amo se nem ao menos me notas? Há também a canção para ninar elefantes que vão se banhar no rio. Sou africana: um fio de lamento triste e largo e selvático está na minha voz que te canta. Os brancos batiam nos negros com chicote. Mas como o cisne segrega um óleo que impermeabiliza a pele – assim a dor dos negros não pode entrar e não dói. Pode-se transformar a dor em prazer – basta um “clic”. Cisne negro?
Clarice Lispector
Quanto aos pensamentos metafísicos, meu caro senhor, permita-me que lhe diga que qualquer cabeça é capaz de os produzir, o que muitas vezes não consegue é encontrar as palavras.
Saramago